Alimento para o pensamento

Alimento para o pensamento

No âmbito dos Encontros por uma Primavera Agroecológica, promovidos pelo GAIA entre os meses de Março e Abril de 2021, organizei uma sessão intitulada «Alimento para o Pensamento», que juntou à conversa diferentes projectos editoriais agroecológicos de Portugal e Espanha.

Acolhida pela associação cultural e livraria independente Gato Vadio, a sessão teve lugar no dia 25 de abril de 2021 in loco e online, marcando a efeméride da Liberdade. Segue-se um resumo do debate que se desenrolou, bem como o registo áudio integral da sessão (vídeo disponível no Facebook).

Projectos apresentados

  • Revista Soberanía Alimentaria, Biodiversidad y Culturas https://soberaniaalimentaria.info/ – Revista trimestral em papel, criada em 2010 a partir dos movimentos sociais pela soberania alimentar e agroecologia no estado espanhol.
  • Jornal Mapa https://www.jornalmapa.pt/ – jornal de informação crítica trimestral e impresso editado desde 2012 feito por muita gente dispersa por Portugal e outras geografias da Europa.
  • O Som é a Enxada / Rádio Manobras https://somenxada.tumblr.com/ programa de rádio sobre “agricultura de proximidade”, criado em 2015, com o I Encontro Nacional das AMAP.
  • Porto Cultivado – plataforma digital e revista (em fase de preparação/candidatura a financiamento) sobre a prática agrícola em meio urbano.
  • Almanaque Agroflorestal / Plantei.eu – criado em 2019/2020 para fazer pontes entre o conhecimento técnico e específico e o público em geral. Simplificar conhecimento técnico.
  • Outros Ângulos – o vídeo como ferramenta de luta e de transformação. Está a realizar o documentário das AMAP: Agroecologia em Movimento.

Resumo das principais ideias discutidas

«Como chegar às comunidades locais, e elas próprias participarem com as suas vozes, partilhando as suas perspectivas e o que são as suas lutas?» Como podem estes media ser mais conhecidos no Portugal profundo? Como trazer o Portugal profundo para estas publicações? Como sair da bolha? Como manter uma linguagem acessível (não técnica, não académica, não contaminada por aquilo que queremos combater)? Como continuar e aprofundar a ligação entre iniciativas?

1. Existe uma diversidade de projectos de comunicação, informação, reflexão que se dedicam a – ou cruzam com – o pensamento agroecológico. Com produções activas em vários pontos do país (e além!) em diversos formatos/canais (impresso, digital, vídeo, som, livros, revistas, jornais, podcasts, almanaques, agendas, documentários, programas de televisão), com diferentes objectivos – informar, formar, divulgar, inspirar, educar, registar, documentar, criticar, denunciar, dar visibilidade às iniciativas mais propositivas, ser ferramenta que promove o pensamento crítico e a autonomia – e dirigidas a diferentes públicos e com diferentes interlocutor@s (movimentos sociais, activistas, mas também público em geral – TV, jovens e crianças, etc).

2. Apesar de cada um@ reconhecer o problema de viver “na sua bolha”, já vão acontecendo algumas colaborações pontuais entre alguns destes meios, como por exemplo: tradução e troca de conteúdos entre o Jornal Mapa e a revista Soberania Alimentaria; podcasts partilhados entre O Som é a Enxada e a PrimaverAE; o Almanaque Agroflorestal e outras publicações no Gato, etc.

3. Reforçou-se a importância de estabelecer/reforçar alianças entre meios de comunicação existentes para partilha de conteúdos e difusão conjunta de materiais, artigos, campanhas, etc (PD). Não descartar a possibilidade de colaborar com outros meios mais pequenos, mais locais, até mesmo convencionais/mainstream, como forma de chegar a públicos diferentes e de contrariar a endogamia comunicativa, diversificando meios e interlocutores. Claro que as alianças só são possíveis se cada um@ continuar também a fazer o que faz… portanto, continuemos! 🙂

4. O campo e a cidade: comunicamos muito a partir dos centros urbanos. Mesmo quando estamos no campo, muitas vezes “partimos de uma mentalidade urbana que é formatada” (FN). Como trazer as vozes das comunidades rurais locais (Portugal profundo) para as histórias que partilhamos em meios mais citadinos? Não só dos “neo-rurais”, que muitas vezes estão alienados dos meios onde se inserem… E, no sentido inverso, como levar/trazer os meios que surgem em contextos “urbanitas” para o rural? É preciso mais polinização cruzada entre estas geografias: valorizar as vozes do campo e as “identidades rurais” – apelar explicitamente às contribuições, apoiar nesse processo, acolher, integrar… mas estar atento/a também aos fenómenos de agricultura urbana, já que as cidades concentram hoje a maioria da população e que esta está totalmente dependente de produção e fornecimento alimentar distante, e que muito terá a aprender com as práticas camponesas e agroecológicas na construção de sistemas agrícolas que permitam alcançar maior a autonomia alimentar.

5. O diálogo entre gerações: aproximar “avós e netos”, saberes ancestrais com novas gerações, partilha de saberes que estão a perder-se. Valorizar a memória de quem cá estava, a linguagem que já existia e estar atent@s ao discurso, linguagem, conhecimento (técnico-científico) que agora trazemos e que parece afastar-nos desse legado e comunidades locais que persistem.

6. «Não há luta sem memória»: conhecer e reconhecer trabalhos passados que abriram caminho para que chegássemos onde estamos agora (ex: publicações históricas como a Urtiga ou o Gorgulho – ver referências abaixo). Precisamos de resgatar e de continuar nesse caminho “capaz de captar a beleza inerente ao mundo das plantas”. Precisamos de uma “revista que una todos estes projectos e que seja emocionante e que seja bela” (JLR).

7. Educar através das crianças e jovens: tal como as práticas da reciclagem em Portugal chegaram aos adultos muito através da “pressão” dos mais novos, talvez a agroecologia e as questões agro-alimentares de proximidade possam chegar através do envolvimento das crianças e jovens? trabalhando também com as escolas, cantinas, cozinheirxs, nutricionistxs…

8. Quem fala? Na maioria dos projectos apresentados, não são profissionais da comunicação ou jornalistas quem produz os conteúdos. Há que manter abertos espaços de expressão como terrenos aráveis e férteis onde pode cultivar-se a diversidade de vozes, perspectivas, histórias, etc (AC). Comunicar também a partir das práticas, das micro-políticas, das experiências nas quais participamos, guardando espaço para a responsabilidade de comunicar para fora a partir desse lugar, fechando assim os ciclos.

9. Incluir a perspectiva feminista tanto nos conteúdos como na “mirada” sobre as próprias organizações: dar voz às mulheres agricultoras, reflectir sobre as desigualdades, os cuidados, os afectos e o trabalho reprodutivo que permite sustentar as iniciativas.

10. Alimentar o pensamento crítico: denunciar temas como as monoculturas, os herbicidas, a mineração, a preservação de sementes, etc. Fazer pontes com outros movimentos sociais, ligando a agroecologia a questões como a habitação, a migração, direitos sociais, direitos laborais.

11. Alerta! a simplicidade das ervas não se coaduna com a mercantilização gourmet do “comer selvagem”. Apesar do “elã” que a culinária tem vindo a ganhar no imaginário das pessoas através da força comunicativa que alcançou com as redes sociais, há que recuperar a dimensão comunitária que pode (ou não) estar inerente, nas colheitas colectivas e partilha de refeições comunitárias, que criam um sentido comum e que já existiam nas comunidades (não é uma moda). Na cozinha como em tudo: “Nem chefs nem amo” (FN).

12. «Há uma necessidade de foco no trabalho sobre o alimento local, a sazonalidade, a proximidade dos produtores e a descontrução da ‘necessidade’ de ter tomate ou courgette o ano todo, e também de integração dos recursos silvestres nestes menus.»

Outros projectos mencionados

  • A Recolectora – sobre “vegetação daninha comestível” (também conhecidas como PANCs, ou Plantas Alimentícias Não Convencionais), um projeto de designer + fotógraf@ do Porto, com Fernanda Botelho. Pretende dar a conhecer as plantas silvestres comestíveis do país, com o objetivo de introduzi-las na dieta https://www.facebook.com/arecoletora
  • Portugal Livre de Minas: uma zine que “compila opiniões, sentimentos e visuais em torno da questão da exploração de lítio em Portugal e do seu impacto nas terras ameaçadas e nas povoações que lá vivem” (ver artigo no Público)
  • Rádio Movimento (meio parceiro da Caravana Agroecológica, também emitiu algumas sessões da PrimaverAE); Rádio Gabriela, Rádio Manobras, Rádio de Montemor-o-Novo, rádios locais…
  • Histórico: Bibliotecas itinerantes da Gulbenkian (Pedro: “o projecto que eu saiba âncora para a cultura “citadina” nas aldeias, para muitos aldeões que se queriam cultivar e sair do quotidiano rural”)
  • Associações / coops: Campo Aberto, Gato Vadio, Colher para Semear, AMAP, Cooperativa Minga, Quinta Maravilha…
  • Dinalivro (edita livros da Fernanda Botelho) e ilustradora Sara Simões
  • Banco português de germoplasma vegetal
  • Hortas à Porta (Porto)
  • Sintra sem herbicidas
  • Via Campesina

Formas de financiamento mencionadas

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